DA FAVELA AO SERTÃO: JUVENTUDE,
NARCOTRÁFICO E INSTITUCIONALIDADE


Paulo Cesar Pontes Fraga[1]

 

O Sertão vai virar mar,
O mar vai virar sertão.
Antônio Conselheiro

Introdução

Apesar da vasta distância de milhares de quilômetros e das marcantes diferenciações geográficas e culturais, há proximidades históricas entre o sertão nordestino e as favelas cariocas. A primeira, bastante referida, está na origem do termo favela, uma vez que, segundo registra-se, vincula-se à vegetação a nomear o morro próximo ao Arraial de Canudos, no Sertão da Bahia. Quando os combatentes da Guerra de Canudos retornaram ao Rio de Janeiro, após o massacre de Antônio Conselheiro e seus seguidores, sem ter aonde morar, as autoridades municipais se omitiram, permitindo a construção de habitações precárias nas encostas dos morros cariocas, sem o título de propriedade, como uma espécie de recompensa pelos serviços prestados. Seus moradores, prontamente, batizaram tais aglomerações habitacionais de favelas, numa referência ao morro de Canudos e por nestes locais existirem, do mesmo modo, a rastejante vegetação.

Outra relação de proximidade entre favelas e sertões condiz ao acontecimento de, nas décadas de 40/50, com o adensamento do fluxo migratório Norte-Sul, parte considerável de suas populações ser composta por nordestinos e, mais especificamente, por sertanejos. As favelas cariocas ficaram conhecidas durante anos como locais predominantemente habitados por uma grande população sertaneja.

Na década de 90, contudo, surge um novo elo entre tais localidades, uma nova colagem, menos explorada pela literatura sociológica, cujas conotações não se desencadeiam pitorescas.  Referimo-nos ao crescimento do envolvimento de jovens com o negócio das drogas e as suas calamitosas conseqüências, visíveis, principalmente, no aumento de homicídios. Tal como se observa a implicação de jovens cariocas moradores em favelas com o comércio de drogas, é notável, igualmente, o comprometimento progressivo de jovens sertanejos com o plantio de maconha e com atividades criminosas correlatas a esta atividade ilícita, nomeadamente na região conhecida como Polígono da Maconha. Esta ligação transformou municípios da Região do Submédio São Francisco e do Sertão de Pernambuco com dos mais violentos do país, com altas taxas de homicídios, principalmente, em pessoas jovens.

É plausível reconhecer o não envolvimento da maioria dos jovens cariocas e sertanejos com o negócio das drogas, afinal uma das características das atividades ilícitas é justamente envolver diretamente parcelas bastante pequenas da população, mas a maioria inclusa no negócio é jovem. É inegável a utilização pelo narcotráfico, em suas variadas etapas, de jovens como  “bucha de canhão”, na expressão de Gil e Caetano: “Mero serviçal do narcotráfico”;  nesta potencial economia do ilícito.

Refletir sobre estas realidades diferenciadas, a forma de envolvimento dos jovens e as conseqüências para suas vidas é o objetivo deste trabalho. Na primeira parte do texto apresentamos as conjunturas históricas e sociais que permitiram a existência de atividades ilícitas ligadas ao narcotráfico nestes ambientes. Na segunda parte, buscamos interpretar como se dá o envolvimento de jovens nestas atividades em circunstâncias singulares, mas com componentes análogos. Nossa reflexão é fruto de pesquisas desenvolvidas junto a adolescentes infratores no Rio de janeiro e da participação no Projeto Cultura e Desenvolvimento[2] no Submédio São Francisco. 

 

Rio de janeiro: A institucionalidade do Narcotráfico

Nenhuma outra grande cidade brasileira vive tão veementemente as conseqüências das atividades do tráfico de drogas em seu território do que a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. A década de 90 vai se distinguir de outros períodos pela consolidação, intensificação e incremento desta atividade ilegal e seus reflexos no cotidiano de seus habitantes: intensos tiroteios com armas de grande poder de destruição, chacinas, invasão de favelas por grupos armados com intuito de tomar pontos de vendas de drogas, intensificação da violência e corrupção policial, mortes por balas perdidas, desaparecimentos[3] entre outros acontecimentos.

A decorrência desses fatos conjetura-se no comportamento de seus habitantes, reforçando ainda mais, preconceitos em relação aos moradores das favelas e periferias, imprimindo em toda a sua população um sentimento de insegurança constante, principalmente entre aqueles, paradoxalmente, menos expostos às suas mazelas.

A venda de drogas ilegais, ao longo dos anos, deixa de ser delito de características subalternas, por envolver pouco dinheiro, para se transformar em atividade altamente lucrativa e, conseqüentemente, responsável pela ampliação da taxa de homicídios e criminalidade entre jovens na cidade.

A comercialização de substâncias entorpecentes não se constitui uma exclusividade dos anos 90. A negociação de drogas como a maconha é uma prática antiga no Rio de Janeiro e, notadamente, no interior de favelas. Fala-se que tal exercício remonta ao início do Século XX (Misse, 1999). Sublinha-se a existência desta atividade nas favelas cariocas desde a década de 40 (Souza, 1994), período no qual passa a ser considerada crime com a instituição do Código Penal[4].

De outra forma, a comercialização de drogas destinava-se, até a década de 60, a um pequeno público consumidor local e vizinho ao ponto de venda e, cada “boca de fumo” manipulava pequena quantidade de dinheiro. Em seu romance Cidade de Deus, Lins (1997) nos relata que na década de 60, a criminalidade no bairro, cenário da trama, voltava suas atividades mais especificamente para assaltos a estabelecimentos comerciais e a transeuntes. A venda de maconha era uma atividade ilícita menor, destinada ao consumo dos habitantes locais e muitas vezes dirigida por mulheres, que geralmente tinham participação subordinada na vida criminal. Ter uma boca de fumo era uma atividade ilícita de iniciativa individual, envolvendo poucas pessoas e sem uma grande rede formada para garantir a sua existência.

O tráfico sofre perseguição mais intensiva pela polícia no final dos anos 60. Autores (Leeds, 1998; Batista, 1998; Misse, 1999) conectam esta maior persecução ao fato da ditadura militar também passar a considerar o traficante de drogas um personagem lesivo à segurança nacional. Ao maior acossamento, incrementa-se também o envolvimento, achaques e propinas da polícia em relação aos infratores ligados a este tipo de delito[5].

Batista (1998) considera, mais especificamente, que na criminalização por drogas da juventude entre os anos de 1968 e 1988, período que engloba a transição do autoritarismo para o processo de abertura política, houve uma transferência do “inimigo interno” do militante de esquerda, visto como terrorista pela ditadura militar, para o traficante de drogas, tendo como elemento fundamental a consolidação da cocaína no mercado internacional e nacional.  Jovens residentes nas cercanias periféricas da cidade e favelas passam a ser perseguidos pela polícia numa associação imediata entre juventude pobre e tráfico de drogas.

Durante os anos 70, o maior consumo de maconha por jovens da classe média (Velho, 1998) e a entrada e crescimento do uso de cocaína (Leeds, 1999) torna o tráfico de drogas uma atividade mais lucrativa do que os assalto aos bancos, até então atividade criminal que dava maior retorno financeiro.

A consolidação do tráfico de drogas como a mais importante, letal e lucrativa atividade criminal com reflexos no cotidiano da cidade ocorrerá, principalmente a partir dos anos 80. Autores citam quatro fatores como fundamentais para o incremento da lucratividade do narconegócio: aumento da vendas de maconha, que embora fosse de lucratividade baixa, era comercializada em grande volume; a entrada efetiva da cocaína no mercado interno; a organização nos presídios e os assaltos a bancos que permitiram uma acumulação primitiva, pois parte do dinheiro migrou para a compra de drogas para a revenda. Misse (1999) afirma que o mercado ilegal de drogas foi dominado pelo jogo do bicho e somente seria comercializado em grande escala na década de 70, consolidando-se, todavia, quando passa a ser efetivamente controlado por quadrilhas denominadas Comandos, que segmentará o território das favelas cariocas.

Existe uma controvérsia sobre a maior organização do tráfico a partir dos anos 80. Alguns autores (Amorim, 1993, Leeds, 1999) sustentam a versão da maior aproximação de criminosos comuns com prisioneiros políticos, ocorrida principalmente no Presídio da Ilha Grande. Este contato permitiu aos encarcerados comuns se conscientizarem, no sentido de produziram maiores reivindicações contra as violações dos direitos humanos no presídio e o sentido de união propiciado por estas iniciativas estendeu-se aos negócios ilícitos. Misse (1999) alega não ter observado em suas pesquisas esta aproximação, nem entre ex-presos políticos nem entre os presos comuns, ou se ela existiu pode-se colocar em suspeita sua eficácia como fator determinante da organização do tráfico de drogas em comandos.

A verdade é que foi o aumento dos negócios e principalmente a entrada da cocaína no mercado do consumo que possibilitou a maior organização dos envolvidos em sua circulação. A estrutura da organização se dá na forma de oligopolização por uma cúpula dos negócios, como já ocorria anteriormente com o jogo do bicho.

Peralva (2001) é enfática ao assinalar a inseparável relação entre o crescimento da criminalidade e a desorganização das instituições responsáveis pela ordem pública no bojo da transição de uma ditadura para governos civis, com acentuado comprometimento de seus agentes com o crime em geral e a corrupção em particular. Formando o que denomina simbiose entre corrupção policial e criminalidade violenta, tendo como uma de suas maiores conseqüências o aumento do número de vítimas civis das ações policiais legais ou não.

Pode-se dividir a organização do tráfico em dois períodos, 84-86 quando surgem os primeiros grupos chamados de Falange e depois, Comando Vermelho, reprimido pelas autoridades judiciais com a prisão de lideranças importantes como Escadinha e a morte de Meio-Quilo. A rearticulação de grupos, segundo a lógica da oligopolização das vendas, ocorre a partir de 1989 com outros grupos que se fracionaram em “Comandos” variados, mostrando-se mais violentos e seguindo uma lógica de rodízio dos “donos” dos pontos de vendas. Neste período, dever-se-ia acumular o mais rapidamente possível capital e transferi-los simultaneamente para atividades lícitas (táxis, imóveis, motéis, comércio, entre outras). Aponta-se o período pós-86 como o mais violento, tendo como uma das conseqüências mais visível, intensificação da concentração de jovens nas fileiras do tráfico[6].

A institucionalidade do tráfico, entendida como a criação de redes e referências sociais tanto entre atores diretamente envolvidos quanto aqueles não envolvidos no negócio, mas sofrendo suas conseqüências, é fator preponderante para se entender não apenas o incremento das suas atividades nos morros e periferias do Rio de Janeiro, mas também no caso descrito a seguir do sertão nordestino. Estas institucionalidades, contudo, se aludem às desigualdades presentes em conjunturas diferenciadas tanto no campo quanto no meio urbano brasileiro.

 

Narcoplantio e Violência no Submédio São Francisco.

Na década de 90, igualmente, começa a se destacar no cenário nacional o aumento da violência, ou mais especificamente, das taxas de homicídio, notadamente entre os jovens, em municípios do sertão pernambucano. Das dez cidades que apresentam os maiores índices no país, três localidades estão na mencionada região, ênfase para o município de Floresta, a segunda cidade do país no ano de 1998, em relação a este indicador.

O sertão de Pernambuco é reconhecidamente área de enormes desigualdades sociais e de conflitos históricos, os quais lhe atribuíram a pecha de região extremamente violenta. No entanto, os indícios apontam que o recrudescimento da violência atrela-se a presença das atividades do plantio de maconha.

A forte institucionalidade do plantio de maconha desencadeou por parte da Polícia Federal, ações efetivas visando acabar ou diminuir a extensão de área de plantio. As Operações Asa Branca e, mais recentemente, a Operação Mandacaru buscaram nos últimos anos reprimir o plantio da erva no Polígono.

Todavia, as ações desencadeadas pelo Governo Federal na Região restringiram-se à repressão da atividade, não se verificando articulações do mero combate ao plantio com medidas que proporcionem aos agricultores e atores envolvidos com o negócio, alternativas econômicas e sociais de sobrevivência.

Destarte, além de não suprimir o problema, pois finda a repressão, mais fortemente as redes se reorganizam ou migram para outras cidades e estados, as Operações não foram precedidas de outras iniciativas, restringindo-se  apenas a eliminar o cultivo de pequenos agricultores que vêem no manejo da erva uma forma de fugir das extremas dificuldades em que vivem[7].

Não se pode esquecer que a ação do Governo Federal no Submédio São Francisco é historicamente marcada por ter intensificado desigualdades sociais e produzido o desabrigo de milhares de famílias, devido à construção das Barragens de Itaparica e Sobradinho. O cultivo da Cannabis na Região é de longa data (Iulianelli, 2000). Donaldo Pierson já se referia ao cultivo nos anos 50 na Região do Submédio da Cannabis, mas ainda não se tratava da Cannabis Sativa, nem havia qualquer relação de uma produção voltada para o mercado, associava-se às atividades festivas locais (Iullianeli e Fraga, 2001). Somente a partir dos anos 80 é percebido o incremento das atividades e sua produção em larga escala para abastecer o mercado nacional, tornando-se a maior produtora nacional de maconha. O cultivo da cannabis na região é antigo, mas a sua produção acelera-se, principalmente nesse período.

As excelentes condições hídricas e climáticas; as dificuldades que o relevo e a hidrografia trazem para a ação policial, aliada às condições sociais presentes como as seguidas secas das últimas décadas e; os descasos das várias instâncias do poder Público são considerados elementos preponderantes na aceleração e expansão da área de plantio. Segundo uma liderança sindical do Estado de Pernambuco, a presença de maconha já era notada, mas era insignificante, observando-se, todavia, o seu aumento dos anos 80 para cá.

“ Antes da barragem? Tinha uma incidência, mas ela era menor e começou a aumentar de uns doze anos para cá. Antes  da barragem eu posso dizer de vinte anos atrás. A maconha apareceu como coisa pequena e muito pequena e muito distante e começou a aumentar a partir desses doze anos.

Ela virou um produto agrícola tão importante quanto a cebola?

Talvez mais importante...Inclusive com menos terra, menos trabalho, dá mais dinheiro.”

Acredita-se que além das características citadas acima, a aceleração neste período esteja atrelada ao Escândalo da Mandioca. A denúncia pública do envolvimento de funcionários do Banco do Brasil com esquema de corrupção com grandes agricultores da Região implicou em medida de suspensão, pelo Banco, de operações de incentivo agrícola.Tal medida acarretou uma séria crise na já frágil agricultura local. No vácuo de créditos oficiais, o narcotráfico passou a fazer proposta para os pequenos agricultores cultivarem a erva. O plantio de maconha tornou-se um negócio muito mais vantajoso do que a cultura de cebola e arroz, produtos tradicionais, uma vez que enquanto uma saca de cebola custa sete reais, a mesma quantidade de maconha chega a custar 100 reais. Além disso, o narcotráfico utiliza-se de meios de financiamento da produção isentos de burocracia.

Além dos aspectos já enumerados, uma questão fundamental não deve ser relegada. As tradicionais rixas de famílias pelo poder local parecem ter se estendido para o controle do plantio de maconha na área. Segundo a CPI do Narcotráfico da assembléia Legislativa de Pernambuco é possível identificar entre membros dos “clãs” tradicionalmente em conflitos integrantes do narconegócio da Região. Todavia, a Comissão conclui não poder afirmar a existência de um esquema de crime organizado por não possuir (1) comando unificado; (2) forma empresarial; (3) planejamento e (4) mecanismos de lavagem de dinheiro e tendência a transnacionalidade.

A forma de aliciamento de agricultores é variada. Pode ser no feitio da compra prévia de uma produção ou tarefa ou no assalariamento de trabalhadores sem terra, reproduzindo práticas de exploração dos agricultores, peculiares às relações agrárias brasileiras. Geralmente, há o convencimento do agricultor quanto às vantagens do plantio: os lucros maiores, o cultivo da erva que requer cuidados e custos menores para a produção e o pagamento imediato. Nesse sentido, reproduz o esquema observado por Villaveces-Isquierdo (2000) no caso colombiano, ao invés de agir principalmente por meio da coação, alicia produzindo redes de amizade ou se beneficiando das existentes. Os agricultores se inserem no plantio como companheiros de produção para um produto muito mais atraente do ponto de vista da lucratividade.

A forma de contar com o trabalho do camponês, todavia nem sempre ocorre segundo este modelo. Pode ser coagindo-os e, através de ameaças, obrigando-os a plantar, se a sua propriedade for considerada estratégica para o negócio. Segundo a fala de um deputado estadual do Estado de Pernambuco, participante da CPI do Narcotráfico da Assembléia Legislativa, as terras de importantes famílias locais também são usadas no esquema, assalariando trabalhadores:

“O esquema funciona com o traficante, o intermediador, contratando pequenos agricultores da região, sem terra, e utilizam terras das famílias dominantes da região, colocam as pessoas nesses locais; usam a água através de sistema de irrigação. Em alguns lugares usam equipamentos públicos, como adutoras. A adutora de Salgueiro tem sangramento em vários pontos, para a utilização de água para irrigação. Eles contratam essas pessoas e pagam num sistema de quase semi-escravidão. Eles montam as cabanas com os alimentos para três meses, que é o período de cultivo da erva. Nesse período também, os camponeses, peões, vão para lá e recebem, às vezes, metade adiantada do dinheiro do cultivo e o restante só no final. Se você fugir, existe um código de ética entre eles que se isso acontecer, você está morto.

Na CPI nós tivemos a oportunidade de ver que nas áreas exploradas, sempre que cai alguém, caem os pequenos agricultores. O traficante está sempre fora da área. Tem as pessoas que fazem a vigilância da área e sempre há tiroteio. Quem vai preso é sempre um pequeno agricultor que é preso. Há um código de honra que você não consegue furar. Eles não passam informações em hipótese alguma.

Independente dos métodos de aliciamento, o agricultor ao aderir ao plantio da erva entra em uma rede que põe em risco a sua vida e a sua condição de trabalhador, pois paradoxalmente, o cultivo apesar de requerer atividade produtiva por parte de quem a cultiva, é, sabidamente, ilegal. Os trabalhadores das agrovilas[8] são bastante assediados, por serem áreas onde há boas condições de cultivo devido à existência de irrigação das terras.

A institucionalização das atividades aumentou bastante a experiência de violência entre os moradores. Relatos de violência são bastante comuns entre os trabalhadores e pequenos agricultores, principalmente nas agrovilas. Episódios de agressão são protagonizados tanto pelos narcotraficantes, no afã de defender seus negócios, quanto pela polícia em ações marcadas pelo total desrespeito aos direitos constitucionais dos moradores, atingindo-os indiscriminadamente, envolvidos ou não com o plantio da maconha. O depoimento de uma liderança sindical demonstra como a violência molda comportamento de desconfiança e isolamento entre as pessoas por temerem por sua segurança e integridade física.

“É um pouco difícil. Tem lugar que a gente não pode nem dizer que faz parte do movimento sindical. Nos projetos, como agora no Projeto Iço, em algumas reuniões, em alguns momentos, nem se pode falar que é do sindicato. Como agora mesmo teve essa confusão... Eu deixei de passar dentro da agrovila. Ficaram dizendo que foi entrega, por conta do agricultor que mataram, porque encontraram maconha... nós que fazemos parte do movimento sindical, quando essas coisas, a gente tem até que evitar ir aos lugares, andar à noite, vem dos próprios agricultores que estiveram com a gente. Eu não sei se foi essa mudança, que passou dez anos sem trabalhar  e que tiveram uma outra opção de ser agricultor do ilícito... É muito complicado. Até a minha família tem hora que pergunta se eu vou continuar, se não é melhor eu sair, por conta da violência. Tem hora que eu não tenho respostas para dar a mim mesma.”

A posição dos sindicalistas do Pólo Sindical do Submédio São Francisco é de refutar impetuosamente o aliciamento dos trabalhadores rurais e dos pequenos agricultores pelos narcotraficantes. Na luta para livrar o pequeno agricultor e o trabalhador rural desta “nova forma de exloração”, segundo se referem, uma liderança histórica da região foi assassinada em uma emboscada por um adolescente, no período em que denunciava a presença cada vez maior de narcotraficantes no aliciamento de trabalhadores para o cultivo da erva. Esta posição deixa os sindicalistas vulneráveis à violência dos agentes do narconegócio, de uma nova violência.

De seu modo, a membros das Polícias Militar e Civil são acusados de  uso abusivo de força e de envolvimento com determinando bando, estando envolvidos não só com o narcoplantio, mas principalmente com os crimes de pistolagem e assaltos a caminhões.

Um episódio ocorrido em uma agrovila, quando uma pessoa acusada de envolvimento com o plantio e morte de um policial estava sendo procurada, chocou e revoltou moradores pela forma como foi conduzido pela Polícia Militar, tratando todos os trabalhadores de forma extremamente abusiva.

“O que eu soube é que eram cinco da manhã quando o pessoal chegou batendo nas portas. Estavam todos encapuzados, quando o dono da casa abriu a porta já estava com a arma e depois é que o pessoal foi conhecer que era polícia, mas quem já tinha inimigo... Foi cinco da manhã, o pessoal estava dormindo ainda com as portas fechadas. Quem não abria  as portas eles derrubavam a porta. Eram muito agressivo. Pessoas idosas passavam mal e eles diziam que já andavam com a ambulância para isso mesmo. Uma vez eu disse para eles, que se minha mãe passasse mal, eles é que tinham que pagar. Eles disseram que a ambulância estava ali. Eu disse que a ambulância podia socorrer, mas não dava a vida. Foi um massacre porque pessoas tinham uma faca dentro de casa, eles achavam já que eram bandidos. Quem realmente era bandido não foi preso.”

Uma jovem moradora de uma área onde há plantio relata também a violência indiscriminada da polícia contra os trabalhadores rurais, vistos indiscriminadamente, como envolvidos no plantio.A violência inclui técnicas de tortura para confissão:

  Chegou um negão assim numa Blazer foram na roça, do lado dessa roça tem um plantio de maconha, só que não tinha ninguém, aí na outra que não tem nada a ver, que até meu vizinho que o pai é dono, chegou lá tinha um pessoal trabalhando, o pessoal da polícia queriam porque queriam que eles fossem o dono da roça de maconha aí pegou chamou (me desculpe pela palavra) começou a chamar as mulheres de vagabunda, meninas começaram a chorar, quebraram dois ovos na boca do homem para ele engolir, começou a bater, espancaram ele, aí levaram, acharam arma lá na roça. Levaram trouxeram para Rodelas aí foi que a família...

 

Jovens e o Narcotráfico no Rio de Janeiro e no Sertão: Variações sobre um mesmo tema

Na Cidade Maravilhosa....

É fato inegável a ampliação difusa das atividades de venda de drogas ilegais em direção à maioria das favelas e conjuntos habitacionais da cidade do Rio de Janeiro, na década de 90. Seja em relação à quantidade de pessoas envolvidas em suas atividades ou no tocante à ampliação do número de pontos de vendas. Não significa, evidentemente, considerar toda a população destes bairros envolvida com o tráfico, no sentido da realização de tarefas para organizações criminosas ou de sua maior cumplicidade voluntária às suas atividades. Trata-se de compreender a relação estabelecida entre os agentes do narconegócio a os moradores, pois a sua presença atinge a todos indiscriminadamente. Os grupos impõem às populações normas rígidas de comportamentos, a nomeada “lei do silêncio”, e o cumprimento das condutas tidas como toleráveis à segurança do negócio, versando sobre punições severas àqueles que denunciem ou comentem aspectos arrolados ao funcionamento das atividades internas do tráfico (Rafael, 1998; Peralva, 2001).

As favelas são territórios cujas estruturas físicas e sociais propiciam a proliferação desta atividade ilegal. A ausência do Estado, mormente em relação à segurança pública e políticas de inclusão; sua sinuosa topografia, obstáculo para ações rápidas dos órgãos de repressão; a desigualdade histórica marcante entre seus moradores e os residentes em outras áreas da cidade; o isolamento de seus habitantes concernente ao acesso aos investimentos públicos e; a violência policial histórica contra seus moradores são elementos propícios ao desenvolvimento de atividades irregulares.

Peralva (2001) teceu considerações importantes sobre as ligações de jovens residentes em favelas com o narcotráfico. Assinala como a melhoria nas condições de vida da população favelada não foi acompanhada de uma diminuição da violência, paradoxalmente, antes as favelas eram mais miseráveis e menos violenta. Porém, nos últimos anos, aumentam-se as desigualdades sociais, fazendo com que os jovens favelados se integrem conflitivamente aos quadros da experiência do individualismo de massa. A favela estaria mais próxima da cidade devido à diminuição de determinados indicadores, à maior integração cultural e de modalidades de lazer. Contudo, a presença do narcotráfico reterritorializou a favela, tornando-a espaço físico com leis próprias, criando novas distinções, constituindo mútua negação de uma real integração.

O fomento das atividades do tráfico acarretou como suas maiores conseqüências o envolvimento crescente dos jovens nas variadas ocupações vinculadas a sua organização e conseqüentemente na sua maior vitimização fatal, derivada da inclusão de armamentos com largo espectro de destruição. O tráfico de drogas produz uma intensa violência, principalmente por abarcar uma grande quantia de dinheiro em suas transações; do confronto pelo domínio de pontos por quadrilhas rivais, do envolvimento da polícia e do confronto desta instituição com os traficantes.

A entrada mais numerosa dos jovens ocorre mais densamente a partir da segunda metade da década de 80, como observado, devida, sobretudo, à segmentação dos oligopólios exercida pelos chamados comandos. O sentimento de desconfiança dentro e fora das redes e a ambição dos mais novos são vistos como as principais razões para esta segmentação e conseqüente entrada dos mais jovens.

Destaque-se, todavia, registros da presença de crianças e adolescentes na venda de drogas já na década de 60. Queiroz (1978) cita a famosa pesquisa (SAGMACS, 1960) dirigida por Pe. Lebret[9] sobre as favelas cariocas, onde se observou o envolvimento infanto-juvenil com a venda de maconha. Queiroz relata como a sociedade explorava o trabalho da população favelada infanto-juvenil, seja no legitimado trabalho juvenil-feminino doméstico para a população mais abastada da sociedade carioca, exercido sem garantias legais, ou no trabalho ilícito do tráfico de drogas. Apesar do tom preconceituoso do texto em relação à população moradora em favelas e da generalização de suas observações, indica a longevidade da relação de crianças e adolescentes com a venda de drogas:

 Meninos e adolescentes passam em geral o dia todo na favela sem fazer nada. Formam grupos ou bandos, cada qual com seu lugar específico de reunião, e procuram distração. A delinqüência torna-se para eles o meio mais fácil de conseguir dinheiro. Nas favelas, o núcleo de atividades ilícitas é em geral o tráfico de maconha. Traficantes e viciados buscam meninos para serem os “portadores da erva”, na esperança de que a polícia não desconfie destes. Os meninos são pagos, mas também são ameaçados com toda a sorte de castigos se denunciarem seus “patrões”.  Para domina-los com mais segurança, os “maconheiros” obrigam-nos a fumar os cigarros feitos com a erva; tornando-se pequenos viciados, os meninos se interessam mais vivamente no comércio da droga e guardam mais seguramentte o segredo sobre ele. Os bandos de adolescentes e os “maconheiros” são o pesadelo daqueles pais que desejam evitar más companhias para seus filhos. Para evitar tais freqüentações, lança-se mão de meios variados: amarrar os meninos aos armários ou aos pés da mesa; prende-los em cubículos ou em quartos; esconder-lhes as roupas, principalmente as calças. Todavia se a vida do grupo delinqüente tenta o rapazinho, acaba encontrando meio fácil de fugir e de se integrar no bando. Não temos também dados que permitam saber quantos, entre os pais realmente se preocupam com este problema: é bem provável que a maioria seja indiferente, ou mesmo veja no tráfico de maconha um meio de arranjar dinheiro.(Queiroz, 1978:217)

No período mencionado por Queiroz, observa-se que a ligação dos adolescentes e das crianças com o tráfico de drogas restringia-se à entrega de maconha para compradores interna e externamente ao espaço da favela. Apesar de não acreditarmos haver uma generalização do comércio de drogas no interior da favela, a venda da droga já se evidenciava como atividade a se utilizar de jovens para o seu funcionamento. De outra forma, os jovens desempenhavam atividades subalternas, como a mera entrega, embora lhe oferecessem riscos. As “bocas”, de seu modo, não são relacionadas como locais resguardados com grande aparato de segurança, onde conseqüentemente, existiriam armamentos pesados. Todavia, já se apontava para a utilização de castigos e meios violentos para aqueles que não se submetiam às normas internas do negócio.

A mudança operada na venda de drogas ilícitas e o aumento de seus negócios nas últimas décadas tiveram como elemento demarcador o fato das atividades do tráfico de drogas concentrarem cada vez mais contingente razoável de pessoas. Diferentemente de outras atividades criminosas, o tráfico de drogas e, especialmente a cocaína, requer para o aumento de seus lucros a entrada de mais gente no seu processo produtivo. A departamentalização das atividades de um ponto de venda com grande volume envolvem: a endolação das drogas (confecção de papelotes), geralmente realizada por meninas e mulheres; meninos vigias do ponto (olheiros), meninos mais velhos que fazem entrega das drogas (aviões); meninos que fazem venda em pontos específicos da favela (vapores); adolescentes que realizam patrulhamento na área portando armas de alto poder de destruição (segurança ou soldados); encarregados, gerentes e o dono que podem ser adolescentes, mas geralmente são adultos (Leeds, 1998).

Um ponto de venda bastante movimentado pode empregar centenas de pessoas. É sem dúvida um mercado de trabalho. Um amplo mercado de trabalho do ilícito, se considerarmos as estimativas da existência de 600 pontos de vendas na cidade. Assim, o tráfico é um grande empregador e diferentemente de outras atividades ilícitas, é produtivo.

A produtividade dos atos ilícitos ligados ao narcotráfico advém de suas características de requisitar trabalho no cultivo, beneficiamento, distribuição e comercialização. O preço é definido por um mercado que se favorece da condição de ilicitude do produto (Unprimny, 1995; Fraga, 2000).

Em seu crescente processo de incorporar elementos da organização empresarial capitalista às suas atividades, o narcotráfico do Rio de Janeiro inova, promovendo medidas de incentivo às listas de produtividade. Em sua edição do dia 01 de novembro de 2001, o jornal O Dia noticiava caso de uma favela da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, onde os “vapores” que se destacam na venda de cocaína recebem troféus e prêmios em dinheiro.

Segundo Déo, os vendedores de droga (vapores) que se destacam ganham troféus de Pé de Pano, o braço direito de Juca Bom. O preso explicou ainda que o bom vendedor também recebe promoção, com aumento de “salário”. “Normalmente paga-se R$ 15 pela venda de 125 papelotes. Como já estou há mais de três anos no movimento, recebo R$ 100 por semana”, explicou o traficante, que é analfabeto e nasceu no Cangote do Urubu, na Paraíba.

Déo contou ainda que a frase “Cristo Voltará”, escrita em vermelho, demarca de forma camuflada a área da Favela de Parada Angélica dominada pelo Comando Vermelho. A favela vizinha, Santa Lúcia, é dominada pelo Terceiro Comando. (O Dia, 01/11/2001, pág. 18)

É, como bem definem Ribeiro e Iulianelli (2000), um capitalismo do ilícito. As drogas são, na verdade, mercadorias cuja proibição do uso torna criminosa todas as outras atividades necessárias para a sua circulação. Isto é, diferentemente de outras atividades delituosas como o seqüestro, o roubo, o furto, não se trata de uma criminalidade de pilhagem, pois cria valor agregado, cuja proibição somente aumenta preço da mercadoria.

Busca-se no entendimento do tráfico como atividade produtiva, justamente apontar a imensa rede cunhada para garantir a sua comercialização. Neste sentido, o fato de ser uma mercadoria ilegal, carreia a criação de uma rede paralela à mera atividade de produção da mercadoria, pois carece de lançar mão de uma segurança armada e de uma trama de corrupção, compreendendo autoridades policiais e jurídicas.

É nesta imensa rede empregadora de pessoas para a produção e vigilância da mercadoria que jovens se envolvem.  Têm-se discutido, entretanto, porque os jovens, adolescentes e também crianças tornaram-se alvos privilegiados desta rede do ilícito e porque são suas vítimas preferenciais[10].

A título de ilustração, ressalta-se a cidade do Rio de Janeiro como a única grande cidade brasileira onde os delitos relativos às drogas superam os crimes contra os patrimônios e os homicídios são a principal causa de morte entre adolescentes e jovens[11].

Analisar o crescimento do narcotráfico nas favelas cariocas e compreender a vitimização e o envolvimento crescente dos jovens em suas ações requerem incorporar elementos conjunturais produzidos e existentes interna e externamente ao território destas aglomerações habitacionais. De outra forma, significa, igualmente, entender que a violência e a desigualdade se agudizam em locais e conjunturas onde já se caracterizam processos intensivos de exclusão social.

Devemos, assim sendo, desfocar o escopo da análise, repelindo a redutora e simplificada explicação ancorada na culpabilização dos jovens e de suas famílias pela sua entrada na delinqüência. Teorias conservadoras sempre insistiram em depositar no indivíduo a razão última para a entrada na vida criminal, como se fosse uma mera escolha. No caso específico dos adolescentes, muito se investe no sentido de reconhecer na noção de família desestruturada a causalidade da delinqüência. Esta tendência tem se agravado na atualidade, marcada pelo individualismo de massa, fenômeno social travestido por sua psicologização, onde os indivíduos são vistos como derradeiros, senão únicos, responsáveis pelos seus sucessos e seus fracassos, num aforismo excludente das conjunturas sociais.

Vasculhar a racionalidade do crescente enfileiramento de adolescentes e jovens no narcotráfico demanda considerar dois fatores importantes na sua composição: a atração para a entrada no mudo do consumismo e o papel da exploração do trabalho como precarizador das relações sociais.

Não é incomum verificar nos jovens perfilhados ao narcotráfico a sua atração por consumir produtos de grifes famosas, cujo marketing agressivo apresenta como elemento de diferenciação social. Em suas falas desfilam uma variedade de marcas de tênis, calças e camisas, objetos de seus desejos, mas que nunca poderiam usufruir se não estivessem desempenhando atividades na venda de entorpecentes. Muitos declaram que sua entrada para o tráfico estava ligada ao desejo se possuir tais bens, deixando transparecer que o mercado consumista era um dos elementos direcionador de suas ações delituosas. Tal impulso para desempenhar tarefas no “mercado informal de trabalho” do tráfico parece compor a vontade de diminuir o hiato existente entre o seu poder de consumo e a pressão social para consumir, para afirmar-se socialmente. Não devemos, contudo, deixar de observar que tal desejo não é exclusividade destes jovens, compondo-se como elemento demarcador das relações sociais do capitalismo deste final de milênio. Segundo Bauman (1998) designou, a sedução do mercado como a grande “igualadora” e a grande “divisora” das relações sociais[12]. Assim, esses jovens reproduzem práticas sociais verificadas por outros agrupamentos, com a diferenciação de utilizar um meio produtor de riscos sociais.

Em relação ao segundo fator apontado, observamos como o contato precoce com o mundo do trabalho e a necessidade de ainda criança ajudar na composição da renda familiar eram presentes entre adolescentes compreendidos nas malhas do narcotráfico. Em trabalhos desenvolvidos com jovens infratores[13], verificamos que parte considerável dos jovens havia trabalhado em diversas atividades, antes de compor as fileiras do narcotráfico. Desempenhavam atividades laborais como ambulantes, em oficinas mecânicas, de marcenaria e em biscates diversos. Os seus contatos precoces com o trabalho e as circunstâncias indignas de desempenhá-lo: baixos salários, condições insalubres, humilhações, ausência de cobertura legal fazem com que estes jovens e crianças descubram que o trabalho, ou a ocupação que lhes está reservado, não constituiu componente valórico ou não representa elemento dignificante de sua condição humana. São referenciais que ora são usados como negação desta realidade, ora como adesão a ela.

Mesmo quando não possuem experiências no mundo laborioso, muitos vêem que as condições de trabalho de seus pais não possibilitam o acesso ao mundo de consumo desejado. Por outro lado, consideram a escola que freqüentam desinteressante, distante e que não lhe instrumentalizará para competir no difícil mercado de trabalho do mundo globalizado. A maioria dos jovens pobres continua acreditando na capacidade e no papel destas instituições e nos valores correlatos e se submetem a elas, mesmo nas condições apresentadas. Todavia, muitos que enveredaram pelas malhas do narcotráfico não crêem no papel social dessas instituições, notadamente o trabalho, em sua prática de vida. Assim, se submeter ao trabalho indigno, mas honesto, ou ao trabalho desonesto, perigoso, porém rendoso, parecem ser lados distintos de uma mesma realidade, produtora de subjetividade assujeitadas[14].

Os dois casos descritos, a seguir, apresentam elementos de exploração do trabalho e do apelo ao consumo. Com estes exemplos, todavia, não queremos traçar nenhum perfil do adolescente que entra para o narcotráfico. Não acreditamos na existência de características pessoais que tornem o jovem mais suscetível a entrada no negócio das drogas, nem elementos sociais a defini-los, invariavelmente. São bastantes diversos os elementos e, muitas vezes, contraditórios. Nem mesmo o fato de trabalhar cedo se torna uma característica que constitua um pré-requisito para se produzir um “delinqüente”, pois o delinqüente é fabricado na relação, não é uma característica à priore, é fruto do processo de subjetivação[15] .

Mas não se pode negar, e os dois casos apontam para esta direção, a institucionalização desta atividade e sua capacidade de se arrolar como alternativa, no leque pobre de opções oferecidas para esses jovens, pautando-se como elemento de sociabilidade . A questão do trabalho e a do consumo apenas dão suporte para sua legitimação.

O caso de um adolescente de quinze anos é bem característico. Desde pequeno trabalhou como ajudante na marcenaria do pai no Bairro de Guadalupe. Devido a várias desavenças com ele, que segundo o jovem, o discriminava por ser filho de uma união em que não fora feliz e não se encontrava mais envolvido, terminou por sair do trabalho e morar com uma tia na Ilha do Governador. Como precisava trabalhar, já que o pai não mandava dinheiro para ele, acabou trabalhando como ajudante de um trailer na praia do Bananal no mesmo bairro em que morava. Passou a ser abordado por traficantes no bairro em que residia propondo-lhe vender drogas. No princípio resistiu, mas aos poucos foi cedendo, sobretudo, porque a venda possibilitar-lhe-ia em poucos dias ter mais do que ganhava em um mês no seu atual trabalho. Com o dinheiro recebido na venda de drogas passou a se vestir com roupas de grife, a namorar “meninas bonitas”, freqüentar motéis e provar ao pai que poderia se virar sem o seu dinheiro. Um tempo depois, foi preso em uma blitz da polícia quando se encontrava com uma quantidade significativa de cocaína.

Este caso possui componentes que nos permitem reflexões. Destacamos, notadamente, o fato dele ter tido contato com o mundo do trabalho, antes de entrar para a venda de drogas ilegais. A história da prática tutelar no Brasil é rica em experiências institucionais que buscavam no mundo do trabalho elementos de formação moral preventivos à prática delinqüencial (Rizzini,1983;1995). A utilização dos braços ifanto-juvenis na produção era legitimada por ser visto como prática educativa. Vimos neste caso que o mito criado em torno do trabalho e suas qualidades profiláticas, ainda bastante presentes em programas voltados aos adolescentes de baixa renda, não se constituíram um elemento preventivo à sua entrada para o tráfico de drogas. A relação do adolescente com o trabalho “honesto” era paradoxal. Ao mesmo tempo em que se lamentava por sua entrada na venda de drogas e transparecia arrependimento de ter saído do trabalho no trailer, pois se tivesse continuado neste tipo de ocupação não estaria cumprindo medida de privação de liberdade, disse que só foi preso porque “deu bobeira”, senão ainda continuaria usufruindo uma série de “mordomias”: moto, meninas, entre outras.

Um outro caso refere-se a um adolescente de 16 anos, morador de uma favela na Zona Oeste da cidade. Desde cedo ajudava sua mãe vendendo produtos na barraca de um camelô. Nunca chegou a conhecer o pai, que tinha se separado de sua mãe quando ainda era muito pequeno. Desde muito cedo conciliou os estudos na escola municipal perto de sua casa com os biscates. Suas constantes reprovações e sua “pouca vontade em estudar”, segundo sua fala, fez com que aos poucos abandonasse os estudos. Foi se aproximando dos traficantes locais e passou a desempenhar atividades no narcotráfico: levar recados, entregar drogas a outros pontos e vender drogas fora da favela, até ser pego pela polícia em um momento em que “crescia” dentro da organização.

Diferentemente do primeiro caso relatado, este outro adolescente não se mostrava arrependimento por ter entrado para o tráfico, lamentava apenas ter “vacilado” e ter sido pego. Acreditava que alguém o entregou, algum x-9, por inveja, devido ao fato de estar “ganhando dinheiro” e de sair com as meninas mais bonitas do local.

Trabalhar para o tráfico de drogas é uma “opção” reveladamente mais rendosa, permitindo mais imediatamente o acesso aos bens de consumo de massa. Por ser produtiva e possuir uma forte hierarquização, esta atividade ilícita muitas vezes torna nebulosa a tradicional dicotomia, trabalhador x bandido. Não se pretende ao tecer tal afirmativa, asseverar o não reconhecimento dos jovens envolvidos com o negócio das drogas de tal atividade se constituir em uma ação ilícita. Todavia, não é incomum perceber como jovens se referem a esta atividade, constantemente, como trabalho e, tais como outras tarefas já desenvolvidas referentes ao mundo do trabalho legitimado socialmente, descoberto de garantias legais.

A informalidade expressa, mormente, em um tirocínio com o trabalho marcado pela ausência de cobertura trabalhista legal, a experiência de tratamento diferenciado em relação a jovens de outros estratos sociais são elementos que concorrem para que o tráfico se componha como mais uma informalidade e ilegalidade em sua vida, já tão habitada de discriminações. O tráfico de drogas e a sua institucionalização, intensificada nos últimos anos,é uma referência na vida de muitas crianças e jovens habitantes de comunidades pobres. Tal referência não é necessariamente positiva, ao contrário, mas diferentemente  de outros jovens que possuem menos contatos com o universo da venda de drogas e seu arcabouço de riscos, a relação deles é bastante imbricada.

Os contato com a institucionalização da atividade de venda de drogas, assim como com os atores das instituições de contenção e de repressão são elementos basilares para a permanência de jovens nas malhas desta rede do ilícito. O tráfico se apresenta, também, como mais um componente produtor de subjetividade, submetendo os jovens às suas regras e hierarquias combinando-se com elementos fortemente presentes na vida desses adolescentes e jovens como a produção social do apelo ao consumo.

 

..... e no Sertão

Os jovens do Submédio experimentam uma situação ao mesmo tempo diferenciada e similar aos jovens cariocas citados neste trabalho, vivenciando em seu cotidiano, circunstâncias de extremas desigualdades. Muitos dos municípios do Sertão do Submédio concentram, atualmente, o maior contingente de sua população nas áreas urbanas devido à dificuldade do exercício das atividades agrícolas, conseqüência das condições climáticas e sociais, em uma inversão das características demográficas[16] históricas. As áreas urbanas destas cidades não apresentam alternativas viáveis de sobrevivência, sendo que aos jovens, sobretudo, não são oferecidos meios dignos de ocupação. Mesmo em cidades onde há um maior desenvolvimento econômico como Petrolina, a utilização de alta tecnologia agrícola acarreta na absorção reduzida de força de trabalho e, muitas vezes, de maneira irregular.

Observa-se em muito destes jovens um desprendimento e desilusão quanto à possibilidade de viver da agricultura, seja como pequeno agricultor ou como assalariado. Migrar para outras regiões do país continua sendo opção quase que exclusiva. Observam em seus pais, que a dedicação de anos e anos no cultivo da terra não conduziu à melhoria de suas condições de sobrevivência, mas à degradação de sua condição de trabalhador rural assalariado ou de pequeno agricultor. As políticas agrícolas oficiais, por seu lado, não se realizam ou se concretizam, imprimindo-lhes um sentimento de abandono. A maioria destes jovens, por sua vez, é mais bem informada e possui uma educação superior a que tiveram seus pais e são mais inconformados com determinadas situações por eles vivenciadas, não naturalizando a experiência da privação social.

Neste cenário de extrema desigualdade e pobreza refundadas, o narcotráfico encontrou um próspero terreno para desenvolver suas atividades entre os jovens.  Nas redes criadas pelo narcotráfico nesta Região, há um papel de destaque para eles, incorporando-os em suas fileiras, reproduzindo a exploração do trabalho, a violência e a concentração de renda inerente às relações agrárias no Brasil, em particular, e à sociedade brasileira, em geral.

Os jovens são reconhecidos pela população local como os mais atingidos pelo negócio das drogas. A participação desses atores varia bastante, podendo ser incorporados como agricultores, trabalhadores assalariados, conforme anteriormente mencionamos ao nos referirmos à forma de aliciamento; vigias de plantações; transportadores; seguranças de carregamento, entre outras atividades correlatas ao crime. Esta participação origina um afastamento dessas pessoas do convívio com outros agricultores, fazendo com que a população local consiga distinguir a implicação com a conduta delituosa devido às mudanças de comportamento e, especialmente, pelo súbito aumento do consumo de bens.

De outra forma, geralmente a participação nas atividades não representará enriquecimento para aqueles submersos nesta forma do narconegócio. Num ambiente bastante pobre, cujas condições de sobrevivência são extremamente difíceis, o envolvimento com o plantio da droga ilícita pode representar melhoria das condições de sobrevivência: 

“De vez em quando tem uns pontos que a gente... vêm uns carros diferentes, pessoas diferentes... Tem gente de lá e fora de lá. São pessoas que não são diretamente reassentadas, são parentes de reassentados. É primo, sobrinho que vão trazendo a família e vão construindo casa fora da agrovila e vão se envolvendo. Aí, vão pegando os filhos dos reassentados..

Tem muito jovem envolvido?

A maior parte é de jovens, de quinze anos para cima. Pessoas que chegaram  há quatro, cinco  anos na agrovila ou praticamente nascidos lá. (...)

Os bandidos também. Os bandidos trabalham... Eles querem conciliar.Dizer que trabalham porque depois eles aparecem com uma moto, um carro, aí podem dizer que foi da roça e que trabalhava com o pai, mas na verdade você sabe como é... 

Observa-se aqui também, entretanto, para além da imediata sobrevivência, necessidades produzidas pelos fenômenos do consumismo e do individualismo de massa. Parte dos jovens sertanejos, tal como os jovens do Rio de Janeiro, estariam atraídos pelas marcas e grifes que habitam e se originam nas grandes cidades brasileiras e do planeta. A velocidade da comunicação representada principalmente pelas grandes redes de televisão aberta e por transmissão via satélite é vista por atores locais como uma das principais responsáveis por este fenômeno. O apelo ao consumo individualista de massa é hoje, também, significativamente marcante entre jovens sertanejos: 

No sertão tem uma coisa interessantíssima que nós não conhecíamos há dez anos atrás. As grandes grifes do Centro-Sul, Sudeste, têm hoje lojas em todas as cidades do sertão. Você chega numa cidade como Serra Talhada ou Salgueiro e encontra Tritton, Guess, M. Oficcer, quer dizer, a elite local hoje copia os mesmos parâmetros de consumo do Sul. Isso passa pela mídia eletrônica, pelo consumismo e esse consumismo é que estimula o jovem a ingressar na busca do lucro fácil, do retorno imediato. Você não tem isso aí numa atividade duradoura e permanente e difícil que é a agricultura, mas vai ter no crime. Isso me parece uma questão extremamente grave. 

Muito dos atores locais identificam na entrada do jovem para o plantio, uma forma de acesso a este tipo de consumo, não possível pelas vias tradicionais de ocupação. Alguns diferenciam as razões de entrada para o circuito do plantio da erva, denotando que jovens e adolescentes sem famílias entram por razões distintas dos agricultores com famílias. 

É Claro que para muitos deles chegar a plantar é um pouco um drama, porque se envolvendo com o plantio de maconha entram em um giro, que eles mesmo dizem só se sai morto. É arriscado. Especialmente são aliciados os jovens. A geração que se criou  agora de jovens, se criou com a televisão e o padrão de vida que a televisão apresenta aqui é alcançado unicamente através do narcotráfico, pois a grande maioria dos jovens não tem condições de alcançar isso. Tendo e vendo esse padrão de vida diante dos olhos, muitos jovens querem tê-lo e não se importam mais. Agora as pessoas que são casadas e entram nesse giro por necessidade. A dificuldade econômica chega  a um certo ponto e tem chefe de família que chega a alternativa: ou viajar deixando a família e buscando o trabalho que é sempre mais difícil e ver a família se acabar de fome ou entrar no plantio. Isso é um drama de consciência. Tortura mesmo muitas pessoas.  

Outro depoimento compara a situação dos jovens com o plantio no semi-árido àquela vivida pelos jovens das favelas e periferias das grandes metrópoles brasileiras com a venda de drogas, destacando como há uma sedução em relação à possibilidade de ascensão e de facilidades para o consumismo: 

A outra questão é o envolvimento de uma parcela, principalmente de trabalhadores jovens e pobres, que são recrutados para o cultivo e para o negócio das drogas. A eles são oferecidas oportunidades de ascensão social. Ele quer uma moto, um salário, uma roupa, um porte de arma, segurança... é muito parecido com o que acontece com o morro. Tem aquela possibilidade de acesso, de ascensão social que acontece com os jovens no morro. Quando algum deles descumpre alguma regra, são assassinados e facilmente são substituídos.  

A presença de redes do negócio nas localidades, seduzindo ou coagindo os jovens e suas famílias, logicamente, facilita o contato e torna tais elementos produtor de sociabilidades. Tal qual as tradicionais relações de trabalho agrícola brasileiro que sempre utilizaram a força de trabalho de crianças, adolescentes e jovens, explora-se, igualmente o trabalho infanto-juvenil. A família, muitas vezes é mais um elo a impulsionar os jovens na entrada nesta seara, devido às precárias condições de vida. Um morador da cidade de Salgueiro citando uma reportagem do Jornal do Commércio de Pernambuco revela uma forma de funcionamento da rede que muitas vezes inclui a família e lança mão da imperativa  “lei do silêncio”, a garantir o anonimato dos principais beneficiados pelo negócio: 

  Há pouco tempo o jornal do comércio fez uma reportagem aqui, depois da operação Mandacarú, e eles passaram vários dias aqui para conseguir conquistar a confiança dos jovens e entrevistou crianças de 12, 13 anos, tomando conta de plantio de maconha por aqui. Esse menino, que no começo do ano se matriculou na escola, quando chega na hora da maconha ele vai para lá. Aí, a evasão escolar cresce. Essa escola não  tem atrativos, o pai também não sabe para serve essa escola e que ele vai ganhar dinheiro com aquela maconha. O menino respondeu para a repórter: “Quem te colocou aqui?” E ele respondeu “Papai” e quem mandou papai? “Não posso dizer não”.  

Nem todos os jovens instados a participar do plantio e de atividades correlatas ao narconegócio aderem à prática ilícita. Mas reconhecem que sopesam suas decisões. Outros entram e saem pelo medo de participar de uma atividade que reconhecem como ilegal. Assim, o narcoplantio vai se referenciando na vida de muitos desses jovens que sabem  poder aderir a rede, se assim lhe for conveniente. Se num determinado momento, a negativa se impõe como ação, em outras pode ceder-se ao aliciamento.

Não se trata de uma mera escolha, há mesmo entre os que se conformam às regras e hierarquias do negócio, um drama de participar de uma atividade reconhecida como ilegal. Pois o ilegal é imoral, é indigno. O fato de ser uma atividade produtiva, no caso do plantio, parece diminuir um pouco este sentimento de ser “um bandido”, “um covarde”, mas não o elimina.

 Dois depoimentos de jovens convidados para trabalhar no plantio ilustram a face daqueles que resistem ao assédio para trabalharem no plantio:

Graças a Deus, eu não fumo nem um tipo cigarro, nunca nem fumei, cigarro comum, mas esta lá meus colegas lá, eu já peguei, deixei para lá e graças a Deus não quero nem (...) Fui convidado para plantar, muitos colegas meus foram convidados para plantar, mas graças a Deus não preciso disso, para mim não quero nem conversa com isso, porque tem outros meios da gente trabalhar e ganhar um dinheiro.

Eu vi que aquilo lá não era serviço de homem, no meu serviço que eu vivo, eu vivo mais melhor. É melhor a gente ganhar pouco e a policia não andar atrás do que ganhar muito e a policia nos perseguir.

As históricas desigualdades do sertão nordestino oferecem aos jovens esta nova faceta. O plantio de maconha é, também, um elemento de desestrutura de lutas importantes dos pequenos trabalhadores da região e que sem um enfrentamento sério pode significar nefastas mutações  na região.

 

Considerações Finais

Tratamos aqui de duas realidades atravessadas pelo tráfico de drogas em contextos culturais e sociais distintos. Nelas, o envolvimento de jovens com os negócios ilícitos ocorre em contextos onde sua institucionalização torna-se elemento importante de sociabilidade. Cabe, contudo, compreender como se estabelece o contato com este tipo de criminalidade e a conjuntura social que lhe permite existir. Refutamos, a interpretação centrada no indivíduo, para acolher a compreensão voltada para as clivagens de classes como orientadora da composição de redes de relação social (Adorno et allii, 2000).

As desigualdades sociais são elementos preponderantes para a criação de redes de sociabilidades alternativas àquelas legitimadas socialmente. A entrada de pessoas para esta rede vai depender dos contatos e do envolvimento estabelecido para com seus agentes. No caso específico do narcotráfico, a situação é mais agravada, pois o seu caráter produtivo embaça a distinção de sua ilicitude. Como bem acrescenta Tokatlian (1999), a criminalidade organizada se estabelece numa atmosfera espaço-temporal na qual as relações individuais e coletivas são suas coadjuvantes no processo de se arraigar e de se referenciar, retirando-lhe a pecha de atividade anômica, desviada ou isolada. Insere-se numa complexa dinâmica, na qual a sociedade é simultaneamente cúmplice e vítima de seus atos.

Trata-se de entender, também, o contexto que permite esta institucionalidade, no bojo de uma série de elementos de âmbito social e cultural, com componentes locais e externos às comunidades, na relação do macro com o microsocial. O aumento das atividades do narcotráfico e suas conseqüências à população juvenil inserem-se na envergadura das mudanças no mundo do trabalho e no processo de globalização que desregulamenta conquistas sociais históricas do trabalhador; na facilidade de lavagem do dinheiro oriundo de atividades ilícitas; devido aos avanços nos processos comunicativos e à falta de regulamentação de governos nacionais em relação às bolsas de valores, local de lavagem e; na maior articulação entre criminalidades organizadas diversas: prostituição infanto-juvenil, imigração ilegal de braços entre outras, em nível internacional. No país, das conseqüências do aumento das desigualdades sociais, do desemprego e do individualismo de massa. E em nível local das relações de desigualdades das cidades e a segregação espacial de grupos específicos.

Os jovens são suas vítimas preferenciais porque nos últimos anos foram objetivados, tratados como meros consumidores, e para aqueles que não podem compor tal seara, resta-lhe a via ilícita ou a eliminação, quando não as duas. Reverter tal quadro não é tarefa das mais fáceis, mas requer refundar novas sociabilidades e desfazer o quadro de institucionalização e de referência do narcotráfico.

 

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Jornal do Comércio


[1] Sociólogo e  Pesquisador do Conselho Nacional de Pesquisa

[2] Coordenado pelo Professor Jorge Atílio Silva Iulianelli e desenvolvido no âmbito de Koinonia Presença Ecumênica e Serviço.

[3] Em reportagem recente, o Jornal do Brasil revela dados da Polícia Civil que registra no período de 1993 a 2001, o desaparecimento de 5.674 pessoas, atribuído, em sua maioria ao narcotráfico, em particular, e a criminalidade em geral. O desaparecimento realizado pelos traficantes, geralmente reproduz técnicas utilizadas pelos militares na época da ditadura contra presos políticos que eram mortos, evitando deixar rastros. Embora a reportagem não se refira, é provável que parte desses desaparecidos também possa ter sido executado por agentes da polícia em seus conflitos com o narcotráfico.

[4] No entanto, somente em 1968, com o Decreto Lei nº 385 e em 1971, com a lei nº 5726, endurece-se a legislação, com a utilização de processo sumário no caso de flagrante delito, aumentando-se igualmente o período de reclusão para a prática delituosa do envolvimento com as drogas.

[5]  Lemgruber (1987) sublinha que a corrupção policial migrou dos achaques ao jogo do bicho para outras áreas da delinqüência como o tráfico de drogas, pois tal prática sempre correspondeu à complementação salarial de policiais.

[6] Cabe ressaltar, todavia, não haver um aumento do envolvimento com o tráfico unilateral em relação aos adolescentes, ou seja, o envolvimento com o tráfico aumenta entre a população adulta também, tornando-se o principal delito. Neste sentido,  conforme observou Adorno et alli (2000) em relação à realidade de São Paulo, embora houvesse um aumento de infrações cometidas por adolescentes no período 1993-1996 em relação ao período de 1988-91, o perfil dos atos infracionais praticado por esta população não difere daqueles praticados pela população adulta. Desta forma, busca-se desmistificar a crença de que a população jovem, notadamente os adolescentes, são mais violentos que a população adulta ou cometam mais crimes.

 [7] “Em março de 2001, a Polícia Federal indicava como resultado da Operação Mandacaru a redução de 50% da área de plantio da erva no ano de 2000, em relação ao ano de 1999. Isso implicou, segundo o Jornal do Commércio, num estrondoso aumento no preço da erva que passou de R$ 30 o quilo prensado em 1999, para R$ 400 em 2001. Também, como resultado, se avaliava a migração do plantio de maconha para outras regiões do Nordeste como Paraíba, Rio Grande do Norte e Maranhão, e a entrada de erva de outros países, como o Paraguai, no Brasil, e se avalia, também, que houve uma redução da criminalidade na região em função do conjunto de ações repressivas” (IULIANELLI e FRAGA, 2001:3) A luta dos atingidos pelas Barragens do Rio São Francisco, contudo se tornou um símbolo da luta dos trabalhadores rurais.

[8] As agrovilas são aglomerações de glebas de terra, em um espaço determinado, onde os produtores possuem o título de propriedade e as terras são irrigadas.

[9] A pesquisa foi orientada pelo padre humanista francês Joseph Lebret. A direção e coordenação técnica foram desenvolvidas pelos sociólogos José Arthur Rios e Carlos Alberto Medina, respectivamente.

[10] Zaluar (1985, 1994) tem uma reconhecida e original reflexão, incorporando à analise o papel do tráfico internacional de drogas e o fascínio dos jovens por armas poderosas e os seus papéis de segurança dentro das comunidades em que vivem. Um dos elementos de atração dos jovens para o tráfico é a sua possibilidade de atribuir  status e poder.

[11] Segundo dados da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro relativas ao ano de 1998, as faixas etárias de 20-24 anos e 15-19 anos apresentavam taxas altíssimas e eram respectivamente as que continham as maiores taxas de homicídios (141,81/100.000 e 121,24/100.000) em relação ao restante da população. Dados da Delegacia de Proteção da Criança e do Adolescente do Estado do Rio de Janeiro, organizados por Arantes (2000), revela o aumento da apreensão de adolescentes por práticas de delitos previstos na Lei de Entorpecentes. Em 1993, do total de adolescentes apreendidos apenas 8,7% correspondiam àqueles delitos e em 1998 representavam 55,5% do total. O número passa de 167 para 2449. Estes indicadores podem ser vistos de duas maneiras: representando um aumento real das infrações ou uma maior repressão dos organismos de contenção e repressão em relação a estas infrações. Creio que a combinação dos dois fatores melhor qualifica o fenômeno. Acrescente-se, ainda, que o aumento se reflete tanto em relação à população adulta quanto à população de adolescentes, fato desmistificador da máxima de que os crimes praticados por adolescentes possuem características próprias.   

[12] (...) Quanta mais elevada a “procura do consumidor” (isto é, quanto mais eficaz a sedução do mercado), mais a sociedade é segura e próspera. Todavia, simultaneamente, mais amplo e mais profundo é o hiato entre os que desejam e os que podem satisfazer os desejos, ou entre os que foram seduzidos e passam a agir do modo como essa condição os leva a agir e os que foram seduzidos mas se mostram impossibilitados de agir do modo como se espera agirem os seduzidos. (Bauman, 1998:55)

[13] Ver Fraga (1998, 1999)

[14] Como também observa Adorno (1991), o mundo do trabalho constituiu-se ponto de referência para a inscrição no território da delinqüência, seja “porque aquele mundo divide as fronteiras do permitido e das ilegalidades, seja porque a delinqüência representa sua resoluta negação-negação da rotina, da disciplina e da perda de autonomia, de domínio do tempo livre e de controle das condições de existência. (...) (200)”.

 [15] Como bem observa Guattari (1986), a subjetividade é essencialmente fabricada e modelada no social, sendo um componente essencial do modo capitalista de produção. Este modo de produção não fabricaria apenas mercadorias, mas subjetividades, elemento fundamental para o seu funcionamento. Para o autor francês, o modo das pessoas vivenciarem essa subjetividade oscila entre dois extremos: uma relação de alienação e opressão, no qual esta subjetividade se submete à forma como a recebe ou de criação, se reapropriando dos componentes de subjetivação dominantes, no processo tido como de singularização.

[16] Enquanto, no período de 70 a 2000, a população, em geral, cresceu, a população rural decresceu.

 


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